Meta é fazer com que a quase totalidade dos brasileiros tenha acesso a serviços de água e esgoto até 31 de dezembro de 2033

No último dia 15 completaram-se dois anos do novo Marco Legal do Saneamento Básico, como é popularmente conhecida a lei Nº 14.026. Ele prevê que até 31 de dezembro de 2033 devem ser garantidos o atendimento de 99% da população com água potável e de 90% com coleta de esgotos no Brasil. A lei estipula, também, que os contratos de prestação dos serviços públicos de saneamento básico deverão ter metas quantitativas de não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria dos processos de tratamento. O desafio para concretizar essas ambições não é pequeno. Hoje, de acordo com o Instituto Trata Brasil, a ausência de acesso à água tratada atinge quase 35 milhões de brasileiros, e ainda existem 100 milhões que não são atendidos com a coleta de esgoto. Além disso, dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) 2020 revelam que apenas 50% do volume de esgoto gerado é tratado, ou seja, pelo menos 5,3 mil piscinas olímpicas dele são despejadas diretamente na natureza a cada dia.
Luana Siewert Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, avalia que o Novo Marco Legal do Saneamento Básico é importante, primeiro, porque estabelece metas claras e objetivas para todo o país. Outro ponto de destaque, segundo ela, é o que se refere à centralização da regulação na Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), o que traz homogeneização com relação a normas de referência para o setor. Em outras palavras, as regras estabelecidas pela ANA são levadas em consideração pelas agências reguladoras de saneamento infranacionais (municipais, intermunicipais, distrital e estaduais). Outro aspecto positivo, na avaliação de Luana, é o do estímulo à competição. A partir do Novo Marco os contratos de programa, que antes eram feitos sem licitação, passam a exigi-la.
Luana evidencia, ainda, alguns “marcos intermediários” trazidos pela nova lei, como a necessidade de comprovação, por parte das dos atuais prestadores dos serviços de água e esgoto, de capacidade econômico- financeira para atingir as metas de universalização, o que deveria ter sido feito até 31 de dezembro de 2021. Segundo o Trata Brasil, dos 3,9 mil municípios que precisavam apresentar a documentação, 1,1 mil, não o fizeram ou foram considerados irregulares pelas respectivas agências reguladoras. Já 2,4 mil (cerca de 62%) estão em situação absolutamente regular e 325 foram considerados regulares, mas com algum tipo de restrição. “Aqueles municípios que estão irregulares terão de apresentar alguma solução, seja fazer concessões à iniciativa privada, seja buscar recursos onerosos no BID ou em outros bancos”, explica Luana.
Na avaliação de Neuri Freitas, diretor- presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) e presidente da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), um dos pontos positivos do Novo Marco Legal do Saneamento Básico foi o de colocar o tema em evidência no Brasil. Ele também entende como ganho a instituição de metas por parte do poder concedente, já que isso, para as companhias de água e esgoto, independentemente de sua natureza jurídica (pública ou privada), dá melhores condições de cobrar o cumprimento de contratos tendo em vista a necessidade de alcançar índices estabelecidos. “O que acho que não foi pensado no Marco Legal é que, se o objetivo é universalizar os serviços, tanto faz se isso será feito por empresas públicas ou privadas. Mas, comparando-as, as públicas têm muitas amarras no ponto de vista de contratação. Toda vez que houve um grande projeto no país, criaram-se legislações e estratégias específicas para facilitar os trâmites das contratações, como na Copa do Mundo e nas Olímpiadas”, aponta Neuri, que considera que deveriam ser criadas condições mais favoráveis para as companhias contratarem e executarem. Ele observa ainda que não foi pensado o financiamento por parte de instituições a que tanto empresas públicas como privadas recorrem, como, por exemplo, o BNDES. São entidades que oferecem taxas mais baixas e prazos mais elásticos para pagamento, porém persiste uma burocracia muito grande. Ele ressalta, também, que o Novo Marco Legal não trata do saneamento básico rural e que deveria ter se dedicado mais ao tema ambiental. A nova lei fala em prioridade e procedimentos simplificados para licenciamentos, mas não especifica o que isso significa.
Na avaliação de Neuri, o desafio de alcançar a universalização no prazo estipulado é gigantesco. Entre potenciais gargalos estão uma potencial falta de recursos financeiros e de capacidade para execução dos investimentos. Para o presidente da Aesbe, é provável que as altas do dólar e do petróleo tenham impactado previsões feitas anteriormente sobre o montante necessário à universalização. Mas não é só isso. “Precisamos, primeiro, ter todas as regras claras, o que ainda não acontece. Com toda a reestruturação que houve no setor, de regionalização, seja por unidades regionais, por microrregiões, por blocos, por regiões metropolitanas, ainda não há planos regionais”, explica.
Para Neuri, o Novo Marco sinaliza a necessidade de encontrar alternativas para o ganho de eficiência e o atingimento das metas, seja com financiamentos, com parcerias público-privadas, ou com a opção por modelos como os que foram adotados nos casos da Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal) e da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), em que houve concessões de serviços. Ele vê com bons olhos a pluralidade de possibilidades para avançar. “Não sou do tipo que acredita que exista apenas uma forma de fazer. Ter opções diversas é importante até para avaliarmos quais são as melhores”, pondera.



Benefícios

Um direito, uma necessidade, uma oportunidade

Saneamento básico traz benefícios variados à população e à economia do país


Em 28 de julho de 2010, por meio da Resolução 64/292, a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) reconheceu explicitamente o direito humano à água e ao saneamento para o pleno desfrute de vida e de todos os demais direitos humanos. Aqui no Brasil, no último dia 6 de julho, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 2/2016, que modifica o artigo 6º da carta magna brasileira. Ela torna o direito ao saneamento básico em um direito social, assim como já o são a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a alimentação, a previdência e a segurança. Agora a PEC segue ao plenário do Senado, onde será submetida a dois turnos de discussão e votação. Se a consolidação do saneamento básico como direito é um fato aparentemente consumado, o efetivo acesso a ele ainda é um desafio não só Brasil, mas global (veja box abaixo). O que se sabe ao certo é que proporcionar às pessoas os serviços de água e esgoto resulta em uma série de vantagens para os cidadãos e para o país como um todo.
“Temos um estudo que aponta que a universalização do saneamento básico traria benefícios de R$ 1,1 trilhão para o Brasil”, diz a presidente- executiva do Instituto Trata Brasil, Luana Siewert Pretto. Os ganhos são amplos em razão de os investimentos no setor serem transversais, ou seja, atingirem positivamente diversas áreas da sociedade ao mesmo tempo. O estudo a que Luana fez referência foi publicado em 2018. Intitulado Benefícios Econômicos e Sociais da Expansão do Saneamento Brasileiro, ele destacou que o valor de R$ 1,1 trilhão em ganhos econômicos e sociais poderia ser obtido em 20 anos, já descontados os recursos necessários à universalização. “Como se dá esse ganho? Com a redução nos gastos com saúde, com aumento de produtividade (há redução de afastamentos do trabalho), com a valorização imobiliária, com o avanço do turismo, etc.”, explica a presidente-executiva do Trata Brasil.
Por exemplo, o estudo apontou, tendo como base os dados do IBGE 2017, impacto expressivo do saneamento sobre o valor dos ativos imobiliários e sobre a renda gerada pelo setor. Considerando dois imóveis em bairros similares e que se diferenciam apenas pelo acesso ao saneamento, aquele que estava ligado às redes de distribuição de água e de coleta de esgoto poderia ter seu valor elevado em quase 16,4%. No caso do acesso à água tratada, o diferencial de valor era de 9,0%, na média do país. A ausência de banheiro reduzia o valor do imóvel em 7,4%. Isto indica que a adequação do saneamento básico com a ligação de uma moradia às redes de distribuição de água e de coleta de esgoto permitiria elevar o valor do imóvel em quase 33% (valor que equivale à acumulação dos três efeitos).
Com relação ao turismo, trata-se de uma atividade econômica que não se desenvolve adequadamente em regiões com falta de água tratada e de ambiente por coleta e tratamento de esgoto. Com base no modelo estatístico adotado no relatório do Trata Brasil, estimou-se ganhos de R$ 2,1 bilhões anuais no setor com a universalização dos serviços, o que significaria uma renda maior para os trabalhadores, mais lucros para as empresas e maior arrecadação de impostos para os governos.
Os números coletados apontaram, ainda, que os salários de trabalhadores que vivem em áreas sem saneamento são menores do que os recebidos por pessoas nas mesmas condições de empregabilidade (educação, experiência etc.), mas que moram em locais com coleta de esgoto. Com relação à educação, calculou-se que se for dado acesso aos serviços de coleta de esgoto e de água tratada a um estudante que não contava com eles, espera-se uma redução de 3,6% em seu atraso escolar. Não à toa, portanto, Luana reforça a ideia de que o saneamento pode transformar histórias. “Quando ele não está disponível e em decorrência disso uma criança ou jovem não comparece à escola, por exemplo, diminuem inclusive as perspectivas de mudança de patamar social. A partir do momento que há o saneamento e um jovem consegue frequentar as aulas, melhorar a sua escolaridade, ir bem no Enem, isso muda, e aumenta a possibilidade de ascensão”, diz.
Finalmente, um tema que é costumaz e que não pode ficar de fora quando se fala em saneamento básico é o da saúde. De acordo com o Datasus, só em 2020 foram registradas mais de 167 mil internações e 1.898 óbitos por doença de veiculação hídrica. Investir em saneamento não apenas reduziria essas estatísticas, como proporcionaria um alívio financeiro no âmbito da saúde. Já em 2014, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que, para cada dólar investido em água e saneamento, são economizados 4,3 dólares em custos de saúde no mundo.
No recente balanço sobre os dois anos do Novo Marco Regulatório do Saneamento Básico, lançado pelo Instituto Trata Brasil no último dia 12 de julho, a entidade reforça os impactos positivos da destinação de recursos ao setor. De acordo com o estudo, considerando- se o cenário de investimento do Plansab, de R$ 36,2 bilhões anuais para se alcançar a universalização, a economia brasileira potencialmente se beneficiará com um crescimento do PIB de aproximadamente R$ 45,5 bilhões anualmente. Além disso, o valor investido tem potencial para proporcionar um aumento na arrecadação tributária de mais de R$ 2,9 bilhões anuais e a criação de 850 mil novos postos de trabalho permanentes.


Um objetivo mundial

A falta de saneamento afeta várias regiões do mundo e o problema é um dos focos dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU), que, em princípio, deverão ser alcançados até 2030. O ODS 6 prevê garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água e do saneamento para todos até lá, mas para isso será necessário pelo menos quadriplicar o ritmo dos avanços registrado entre 2016 e 2020. Segundo o informativo Progresso em termos de água potável, saneamento e higiene nas famílias, divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em conjunto com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), houve melhorias no período mencionado. No entanto, o relatório deixa claro que, se não ocorrer uma aceleração nos investimentos, em 2030 apenas 81% da população mundial terá acesso à água potável em casa, ou seja 1,6 bilhão de pessoas ainda estará excluído; apenas 67% terão serviços de saneamento adequados (o que representa 2,8 bilhões de pessoas sem acesso); e somente 78% terão instalações básicas de lavagem das mãos (o que significa deixar 1,9 bilhão para trás).







Indústria

Investimentos devem impulsionar capacidade produtiva

Produtos brasileiros têm qualidade e contribuição importante para o PIB nacional


“O Marco do Saneamento é uma esperança para o setor em que, sendo bem realista, o Brasil tem uma dívida muito grande com a população”, diz Pedro Taves, diretor Comercial e de Marketing da Saint-Gobain Canalização e que também preside a Associação Brasileira dos Fabricantes de Materiais para Saneamento (Asfamas). Falando sobre as companhias que integram a Asfamas, Taves descreve que hoje elas representam 90% do PIB do saneamento básico brasileiro e estão empolgadas com a lei Nº 14.026, que prevê a universalização dos serviços de água e esgoto no país até 2033. “São empresas que acreditam, que estão otimistas, e que vão fazer os seus Capex à medida que os investimentos no setor forem aumentando. O nível de qualidade dos produtos brasileiros também é elevado, e a indústria do saneamento consome muito localmente, então ela é muito importante para o Produto Interno Bruto nacional. Os fabricantes de tubos estão aqui, os de hidrômetro também, os de bomba em sua maioria, etc.”, afirma o executivo.
Luana Siewert Pretto, atual presidente- executiva do Instituto Trata Brasil e que já atuou como diretora de Relações Institucionais e Governamentais na Asfamas, diz que existe diálogo entre todos os atores da cadeia para que não haja nenhum caminho crítico na universalização. Ela relata, ainda, que o setor está investindo cada vez mais em tecnologias, principalmente na gestão de perdas, com o uso de internet das coisas. “Ou seja, com o Novo Marco passou-se a pensar mais em novas tecnologias, e um dos nossos objetivos é fomentá- -las para que avancem e busquemos, com o menor custo, entregar a água e o tratamento de esgoto”, avalia.


INOVAÇÃO

Com relação à Saint-Gobain Canalização, Taves diz que a empresa está atenta às transformações setoriais, o que inclui, por exemplo, uma preparação para a maior participação da iniciativa privada. “Já estruturamos um setor interno para atendê-la, já que muda muito a forma de abordagem. Além disso, temos um plano para incrementar a produção”, pontua. Ele ressalta, ainda, que a Saint Gobain tem Centros de Pesquisas e Desenvolvimento, incluindo o de Capivari (SP) no Brasil, e um dedicado especificamente à canalização, na França, que garantem a evolução dos itens que ela oferece ao mercado. A empresa está lançando, agora, a sua nova geração de tubos de ferro dúctil, com revestimento externo em epóxi líquido azul, que aumenta a capacidade anticorrosiva e é o responsável por garantir maior proteção ao zinco durante o transporte, manuseio e montagem. Os tubos podem operar por mais de cem anos, diminuindo assim a recorrência na execução de obras, além de serem totalmente recicláveis. Com seus produtos, a Saint- -Gobain Canalização pretende garantir “o caminho seguro das águas”, o que é fundamental no combate às perdas do recurso natural, que são altíssimas no Brasil, chegando a 40%.



Ranking

Cidades em melhor situação estão no Sul e no Sudeste

Estudo revela disparidade entre regiões e a estagnação de municípios entre os mais mal colocados


O Instituto Trata Brasil divulga, anualmente, o Ranking do Saneamento com o foco nos 100 maiores municípios brasileiros. Na última edição do documento, lançada no dia 22 de março em alusão ao Dia Mundial da Água, em parceria com a GO Associados, foram analisados indicadores de 2020, publicados pelo Ministério do Desenvolvimento Regional. O que se percebe é uma enorme distância entre as cidades mais bem colocadas no ranking e aquelas que se encontram no final da lista. Nos 20 municípios que se encontram em melhor situação, 99,32% da população têm acesso a redes de água potável e 95,59% são atendidos com rede de coleta de esgoto. Já entre as cidades nas 20 últimas posições, os indicadores são, respectivamente, de 82,52% e 31,78%.
A publicação revela que, historicamente, nas primeiras posições do ranking há predominância de municípios dos estados do Paraná, São Paulo e Minas Gerais. Já dentre os 20 piores costumam aparecer cidades da região Norte, bem como algumas do Nordeste e outras do Rio de Janeiro. “A edição de 2022 evidenciou uma estagnação dos municípios que sempre estão nas piores posições. O que nos assusta é que estas cidades, mais uma vez, são da região Norte do país, aonde o acesso ao saneamento ainda é mais deficitário do que em outras regiões. Há capitais que estão trabalhando nos últimos anos para saírem dessa posição, mas não é a regra, é a exceção”, declarou Luana Siewert Pretto, Presidente Executiva do Instituto Trata Brasil, quando do lançamento do Ranking 2022.




As 10 mais bem colocadas:

Santos (SP) - Uberlândia (MG) -
São José dos Pinhais (PR) - São Paulo (SP)-
Franca (SP) - Limeira (SP) - Piracicaba (SP)-
Cascavel (PR) - São José do Rio Preto (SP)-
Maringá (PR).

As 10 mais mal colocadas:

Maceió (AL) - Gravataí (RS) -
Várzea Grande (MT) - São Gonçalo (RJ) -
Ananindeua (PA) - Belém (PA) -
Rio Branco (AC) - Santarém (PA) -
Porto Velho (RO) - Macapá (AP)



INVESTIMENTOS

O Ranking do Saneamento fez também uma análise sobre investimentos no setor em capitais brasileiras, que, entre 2016 e 2020, somaram cerca de R$ 23 bilhões em valores absolutos. O município de São Paulo (SP) realizou quase metade desse montante, com aproximadamente R$ 11 bilhões, e foi a cidade com o maior investimento total no período, seguida por Brasília (DF), com R$ 1,5 bilhão, e pelo Rio de Janeiro (RJ), com R$ 1 bilhão.
Com relação ao valor médio anual investido por habitante, o patamar nacional para a universalização, de acordo com dados do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), é de R$ 113,30 per capita. A média das capitais, no entanto, foi de R$ 91,03 por habitante, valor quase 20% inferior.
Com relação aos resultados do ranking de 2022, o Instituto Trata Brasil fez a ressalva de ele ainda não retratar dados de 2021, quando houve uma mudança de comportamento de estados e municípios brasileiros estimulada pelo Novo Marco do Saneamento, fazendo com o que o país movimentasse R$ 42,2 bilhões na carteira de leilões dos serviços de água e esgoto em diversas localidades. O refl exo desses aportes poderá significar a melhora de indicadores.

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