O mundo faz um brinde à bebida
Foi em 2007 que a primeira sexta-feira do mês de agosto passou a ser celebrada como Dia Internacional da Cerveja. A data surgiu por sugestão de um grupo de amigos estadunidenses, reunidos em Santa Cruz, na Califórnia, que, amantes da bebida, queriam estabelecer uma forma de homenagear não somente a ela, mas também a cervejeiros, bartenders, bares, pubs e afins, e, é claro, estimular apreciadores a se reunirem. Os idealizadores citam outro objetivo para constituírem o Dia Internacional: festejar os diversos estilos e marcas produzidos em diferentes nações e em culturas diversas. A proposta deu certo, e hoje a data é lembrada em centenas de cidades pelo planeta.
Os motivos para dar vivas às cervejas extrapolam os sabores que caracterizam os seus diversos estilos e os bons momentos comumente associados a ela. No mundo, o setor que se dedica a produzi-las é responsável pelo pagamento de US$ 262 bilhões de tributos e 23,2 milhões de empregos (1 em cada 110 empregos diretos e indiretos no planeta) em 70 países, entre eles o Brasil. Os dados são os mais recentes disponibilizados pela Worldwide Brewing Alliance (WBA), que congrega representantes das cervejeiras que respondem por aproximadamente 80% da produção mundial.
No Brasil, que segue como terceiro principal mercado da bebida, um levantamento feito pela Euromonitor para o Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv) indicou que as vendas, em 2022, foram de aproximadamente 15,4 bilhões de litros, crescimento de 8% em relação ao período anterior, e estima-se que a cadeia produtiva responda por aproximadamente 2% do Produto Interno Bruto (PIB). Ao todo, são mais de 2 milhões de empregos diretos, indiretos e induzidos relacionados à cerveja, com massa salarial de R$ 27 bilhões e pagamento de R$ 49,6 bilhões (base 2022) de tributos. Para o presidente executivo do Sindicerv, Márcio Maciel, há vários fatores que justificam o crescimento no mercado brasileiro ao longo dos últimos anos. Eles incluem uma crescente competitividade - especialmente a partir de 2013, com a chegada de um dos maiores players globais ao país –, o ingresso de produtos novos– o que sofisticou o paladar dos consumidores, que buscam novos estilos e sabores –, questões tributárias e de logística, e aspectos regulatórios, estes últimos responsáveis pela adequação do padrão de qualidade nacional ao mundial. “Todos eles contribuíram e, agora, no póspandemia, houve também o incremento do consumo no lar. A tendência é que o mercado continue produzindo cada vez mais cerveja e entregando novas opções para os brasileiros”, complementa Márcio, que destaca o fato de o setor acreditar em” diversidade e inclusão”, ou seja, em oferecer opções para todos os perfis de amantes da bebida. Apesar dos bons indicadores nos últimos períodos, há espaço para avanços. Se por um lado o país é o terceiro maior mercado de cervejas do planeta, no que se refere a consumo per capita ele ainda ocupa a posição 21. Um impulso mais forte no setor, segundo Márcio, no entanto, ainda esbarra em questões tributárias, custos de confecção pressionados em razão de fatores como a guerra na Ucrânia e a restruturação das cadeias de produção no mundo, aspectos legais, necessidade de mais mão de obra qualificada e a alta taxa de juros brasileira - item importante especialmente para as pequenas e médias companhias e para bares e restaurantes.
Para a presidente executiva da Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), Cristiane Foja, o setor, no país, é forte e resiliente, o que ficou ainda mais evidente na recente pandemia e nos números do mercado, que refl etem a sua pronta recuperação. “Trata-se de uma indústria constante, perene, fortemente nacional, presente na economia e na vida das pessoas, e que se relaciona também a um elemento cultural. Não à toa, mesmo em meio a uma crise sanitária, os brasileiros continuaram a consumir as bebidas alcoólicas, o que é uma opção”, evidencia Cristiane. Segundo ela, houve, no entanto, mudanças a partir da pandemia. “O público se viu desafiado a olhar a vida com outros olhos, passou a investir mais em comemorações, em tempo com os amigos, em tempo com a família, em sensações que trazem bem-estar”, diz a executiva, que reforça a mensagem sobre a importância de o consumo de álcool ser feito “Sem excesso”, expressão que nomeia a campanha de conscientização mantida pela Abrabe há mais de uma década. Outro aspecto que sofreu impactos foi a ampliação do consumo nos lares, ainda que esteja ocorrendo uma retomada de movimento em bares e restaurantes. “Antes o consumidor celebrava fora de casa, mas hoje ele passou, por exemplo, a adquirir as bebidas via aplicativos, que dão oportunidade para trazer bons momentos para dentro das residências”, aponta Cristiane.
Em julho passado, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) divulgou o Anuário da Cerveja, que reúne estatísticas relativas ao registro de estabelecimentos e produtos, bem como de importação e de exportação. Só em 2022, houve um salto de 11,6% no número de cervejarias instaladas em território brasileiro, que já somam, assim, 1.729. O total de produtos registrados chegou a 42.831 e são 54.727 marcas existentes no país. A maior parte das produtoras da bebida estão concentradas nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais (que juntos somam 919 unidades), mas 772 municípios já contam com pelo menos uma cervejaria, e há um estabelecimento para cada 123.376 residentes no Brasil. Ainda, a bebida nacional tem conquistado clientes em cada vez mais países, uma vez que foi exportada a 79 nações em 2022, igualando o recorde de 2020.
Consumo com moderação é incentivado
A ingestão de bebidas alcoólicas acompanha a história há milênios, e faz parte de diversos ritos sociais, normalmente associados à alegria. Com o intuito de estimular o consumo responsável e consciente, entidades setoriais e empresas desenvolvem campanhas que pretendem contribuir para uma relação saudável entre os produtos disponíveis no mercado e os diferentes públicos. O assunto é sério: de acordo com dados da Organização Panamericana de Saúde (Opas), a ingestão nociva de álcool resulta, anualmente, em 3 milhões de mortes no planeta, ou seja, cerca de 5% do total. Além disso, é um fator causal para mais de 200 doenças e lesões, e além das consequências para a saúde, pode provocar perdas sociais e econômicas significativas para os indivíduos e para a sociedade. Em 2022, a Organização das Nações Unidas lançou um Plano Global para atuar sobre o consumo nocivo do álcool até 2030, que inclui ações em seis esferas, incluindo a Aplicação de Estratégias e Intervenções de Grande Impacto e a Criação de Conhecimento e Sistemas de Informação relativos ao tema. Há, ainda, um conjunto de metas, dentre os quais reduzir em 20%, até 2030, o consumo nocivo de álcool no planeta (tendo como base os dados de 2010).
“As bebidas são um elemento cultural, fazem parte de tradições e as pessoas continuarão consumindo-as. A partir disso, você precisa estimular comportamentos que levem a uma relação equilibrada, responsável, com elas. A nossa função, a partir do momento em que as pessoas decidem beber – e a gente não quer convencer ninguém a fazê-lo – é a orientação para um consumo não-nocivo”, detalha Cristiane Foja, presidente executiva da Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), que desde 2011 mantém a campanha “Sem Excesso”. Recentemente, por exemplo, a entidade destacou a importância de a ingestão de bebidas alcoólicas ser feita com “demoração”, pois pesquisas constataram que a velocidade no consumo pode ser danosa. Afora isso, a Abrabe reforça outras mensagens constantemente, como as sobre a incompatibilidade entre o consumo de álcool e dirigir, e sobre a necessidade de cumprimento da lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas a menores de idade.
A Heineken, por sua vez, investe cerca de 10% do orçamento de marketing em campanhas sobre consumo consciente. Além disso, estabeleceu parcerias com nutricionistas para trabalhar na educação para a ingestão responsável de cerveja, ampliando as possibilidades de conexão com os consumidores, que agora também podem ser orientados durante suas consultas com esses profissionais. “Trabalhamos para reforçar nossas mensagens de conscientização e não apoiamos quaisquer iniciativas que estimulem, de alguma forma, o consumo excessivo de álcool. Queremos estar sim em momentos de conexão e descontração entre as pessoas, desde que seja com responsabilidade. Além disso, no nosso portfólio há a opção de Heineken 0.0, que propõe novas ocasiões de consumo e uma relação mais equilibrada com a bebida alcoólica”, diz Ornella Vilardo, diretora de Sustentabilidade do Grupo Heineken, que tem como meta, até 2025, alcançar 100% dos pontos de venda abastecidos com a versão sem álcool.
As opções de cervejas “zero”, aliás, ampliaram-se no Brasil junto com o aumento da demanda. Segundo o Sindicado Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), a categoria tem sido impulsionada pela crescente busca do consumidor por um estilo de vida mais leve, saboroso e equilibrado. O aumento decorre, ainda, do fato de os fãs de cerveja já não verem o produto sem álcool como algo chato, monótono ou excludente. “A cerveja sem álcool consegue dar a mesma experiência para o consumidor do que o produto tradicional, uma condição que é resultado da inovação promovida pelas indústrias”, diz Márcio Maciel, presidente executivo do Sindicerv. A entidade trabalha com a expectativa de que o volume na categoria chegue a 480 milhões de litros este ano, um aumento de mais de 20% na comparação com 2022.
Outro tema que desperta a atenção do setor cervejeiro diz respeito à sua pegada ambiental. No ano passado, por exemplo, o Sindicerv anunciou a intenção de suas associadas de zerarem as emissões líquidas de carbono em toda a sua cadeia de valor até 2040, o que passa por medidas variadas, como adotar processos mais eficientes na produção e na distribuição, e ampliar o engajamento de partes interessadas em relação ao tema.
A Heineken mantém um programa de investimentos em energia verde, cujo propósito é facilitar o acesso por parte de bares, restaurantes e consumidores ao insumo sustentável. A iniciativa é viabilizada em parceria com geradores regionais de energia renovável certificada, que a entregam às concessionária ou distribuidora locais, e informam quais são as contas em que ela deve ser creditada. Além disso, energia renovável é responsável pelo funcionamento de todo o processo produtivo e de envase nas três fábricas dos produtos da marca Heineken®, ou seja, nas cervejarias de Araraquara (SP), Ponta Grossa (PR), Alagoinhas (BA). Até o fim de 2023, a unidade em Jacareí (SP) também será 100% abastecida dessa forma.
Outro foco de atuação da companhia é ampliar a circularidade das suas embalagens, e para isso investe em ações de retornabibilidade e reciclagem. “Hoje, 60% do nosso portfólio é composto por embalagens retornáveis (600 ml e 1L), e estamos trabalhando junto aos nossos clientes para aumentar este percentual. Recentemente, lançamos a long neck retornável da marca Heineken na região sul do Brasil. Com essa inovação, a long neck retornável da Heineken® irá produzir 18 vezes menos resíduos e emitir seis vezes menos CO2. A ideia é expandir a novidade gradualmente para outras regiões”, conta Ornella. No que diz respeito à reciclagem, a Heineken promove os programas estruturantes Glass is Good, Ecogesto, Cidade Recicleiros e Recupera. “Ao todo são 268 cooperativas apoiadas com investimentos em infraestrutura e capacitação para um contingente de 7.596 catadores. Outra frente que temos são projetos voltados à mudança de comportamento do consumidor com relação à reciclagem, como o SO+MA, em Salvador (BA), e o Volte Sempre, em Belo Horizonte (MG), que em 2023 será expandido para mais 10 cidades, incluindo São Paulo”, finaliza a executiva.
Do acaso à preferência mundial
Foi por acidente que, muito provavelmente, nasceu a bebida alcoólica mais consumida no planeta, e isso pode ter interferido diretamente sobre as escolhas humanas. A origem da cerveja, para muitos antropólogos, foi um mingau de trigo e cevada germinada esquecido em um recipiente qualquer ou em um buraco, que acabou molhado e fermentou. O resultado foi um líquido escuro e espesso que algum curioso – e felizardo – decidiu provar e do qual gostou. A bebida “acidental” revelou-se uma ótima fonte nutricional e, de quebra, tinha propriedades que alteram o humor. A combinação teria incentivado os até então caçadores-coletores a cultivarem grãos. Uma hipótese nessa linha foi defendida pelo antropólogo Salomon Katz que, em uma entrevista ao New York Times, afirmou que “a descoberta inicial de uma maneira estável de produzir álcool forneceu uma enorme motivação para continuar a sair e coletar essas sementes e tentar fazer com que elas produzissem melhor”. Se a tese do antropólogo é a verdadeira, é difícil comprovar e há quem discorde dela. O que é indiscutível é o fato de a cerveja ter conquistado o mundo e passado por aperfeiçoamentos ao longo de milênios.
Hoje, quando se estuda o assunto e se aprecia a bebida, é comum serem destacadas “escolas” importantes para a sua evolução, com impactos sobre as qualidade e variedade disponíveis atualmente.
A Alemã, apesar do nome, abrange produtos oriundos de outros países atuais, como a República Tcheca. As bebidas provenientes dessa escola costumeiramente têm caráter maltado, lúpulos florais e amargor acentuado, e leveduras mais neutras. Dentre os seus estilos mais conhecidos estão os Pilsen (ou Pilsner), Münchner (como as Helles e as Dunkel), Schwarzbier e várias cervejas a base de trigo. A escola Franco-Belga, por sua vez, foi impulsionada nos mosteiros católicos em que monges produziam cerveja para atender a peregrinos, e destaca-se pela criatividade no uso de ingredientes. Seus estilos marcantes contemplam Witbiers, Flanders (maturadas em barris de carvalho), Tripels e Lambics (de fermentação natural com leveduras selvagens). Evidencia-se, também, a Escola Britânica, associada a cervejas de alta fermentação. As Porter foram um dos primeiros tipos a se popularizarem na Inglaterra, e eram o “alimento” do operariado na Revolução Industrial. Destaque, ainda, para as Stout e para as English Pale Ale.
Do outro lado do atlântico, os cervejeiros estadunidenses consolidaram a Escola Americana, responsável pelo estilo American Lager, o mais consumido no mundo. Outros que sobressaem são os American Pale Ale e American IPA.
Em torno da cerveja, no mundo, criou- -se também toda uma cultura, aspecto que a Estrella Galícia, empresa de origem espanhola, 100% familiar, criada em 1906 e presente em 40 países, ajuda a fortalecer. No Brasil, ela lançou um projeto que traz novas formas de conhecimento sobre o mundo da bebida. A Estrella Galicia criou um time justamente de Cultura Cervejeira, composto por especialistas de diferentes regiões nacionais e que leva a expertise da marca a bares, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais. Com isso, funcionários e proprietários, mas principalmente consumidores, são municiados com informações sobre como degustar de maneira correta e com mais propriedade a bebida. “É muito gratificante quando nos sentamos em um lugar e as pessoas que trabalham no estabelecimento conseguem nos ajudar com o tipo de cerveja que combina mais com o prato, ou simplesmente contar a história dela, com os detalhes que remetem aos seus sabores e aromas. Nosso trabalho é desenvolver isso nos mais diferentes lugares do Brasil”, explica o gerente do time de Cultura Cervejeira, Rodrigo Sawamura. O projeto não só resgata toda a parte cultural do produto, mas proporciona uma plataforma de conhecimento disponível para todos. “A Estrella Galicia é uma cervejaria centenária. Nos autointitulamos Big Craft pois conseguimos manter os processos artesanais, mas com volume e tecnologia que nos permitem penetrar em diversos mercados pelo mundo. Não queremos ser a marca mais vendida, mas sim a mais amada. Temos um time incrível, escolhido com carinho para levar o conhecimento para os quatro cantos do país, colocando a cerveja e o conhecimento sempre como protagonistas”, reforça Luiza Cajado, gerente de marketing da Estrella Galicia no Brasil.
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